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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/17

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S. BERNARDO
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tro lado me livra da maçada de supportar parentes pobres, individuos que de ordinario escorregam com uma semvergonheza da peste na intimidade dos que vão trepando.

Se tentasse contar-lhes a minha meninice, precisava mentir. Julgo que rolei por ahi á toa. Lembro-me dum cego que me puxava as orelhas e da velha Margarida, que vendia doces. O cego desappareceu. A velha Margarida mora aqui em S. Bernardo, numa casinha limpa, e ninguem a incommoda. Custa-me dez mil reis por semana, quantia sufficiente para compensar o bocado que me deu. Tem um seculo, e qualquer dia destes compro-lhe mortalha e mando enterral-a perto do altar-mór da capella.

Até os dezoito annos gastei muita enxada ganhando cinco tostões por doze horas de serviço. Ahi pratiquei o meu primeiro acto digno de referencia. Numa sentinella, que acabou em furdunço, abrequei a Germana, cabritinha sarará damnadamente assanhada, e arrochei-lhe um belliscão retorcido na pôpa da bunda. Ella ficou-se mijando de gosto. Depois botou os quartos de banda e enxeriu-se com o João Fagundes, um que mudou o nome para furtar cavallos. O resultado foi eu arrumar uns cocorotes na Germana e esfaquear João Fagundes. Então o delegado de policia me prendeu, levei uma surra de cipó de boi, tomei cabacinho e estive de molho, pubo, tres annos, nove mezes e quinze dias na cadeia, onde aprendi leitura com o Joa-