Página:Guesto Ansures.djvu/28

Wikisource, a biblioteca livre
16
GUESTO ANSURES

Era já noute. A lua estava na segunda quadra do crescente, como suspensa sobre as alturas por traz dos dous amantes, mas invisivel para elles. O seu clarão, porém, dava ás aguas do Lor a apparencia de uma faxa prateada correndo em meandro através do valle para a esquerda. Na frente do terrado, a copa das arvores cerradas que vestiam a ladeira, estendia-se como uma alcatifa resplandecente de luz movediça, com relevo de manchas mais ou menos carregadas; ao passo que se assignalava com admiravel correcção o perfil irregular das cumiadas nuas e rochosas da serra Miranda, cujas massas negras se erguiam sobre o fundo azulado do ceo.

«Que le sopram ora ao ouvido esses seres, inspiradores da melodia, de quem és tão valido? — disse Ermesinda a final — Já que ao apartar-te de mim estás tão entregue a elles, dize-me pelo menos o que le confiam.»

«Os seres que te afiguras, não baixam até mim; sou quem ás vezes, chamado, tenho subido um pouco para elles. É só quando me affasto da realidade, para me perder ou esquecer nas regiões elevadas da phantasia, que sei conversar com elles. A toada que foi sempre o preludio das minhas tentativas, sem a qual me falta toda a inspiração; o canto que vinha não sei de onde, em som tão sumido que parecia cahir das estrellas, com cada nota porém tão clara e distincta como se sahisse da própria voz minha; a musica intraduzivel, que, ouvida a miudo, e que ainda no momento de a ouvir eu não poderia repetir, porque sem duvida não é para a voz humana, nunca a ouço senão quando vou esquecido d’este mundo. Então d’elle me desprende de todo, e dando vigor ao bater das minhas azas, chama-me para outras estancias onde só vivem amor e felicidade. Como querias tu que, ao pé de ti, no momento de me alongar do meu idolo, eu me olvidasse do negro horizonte que nos aperta de todos os lados? Para os infelizes, não ha inspiração, ha o desespero.»

«Mas eu sou feliz, pois tu estás ao pé de mim, Guesto. Quando estiveres longe, chorarei, Não heide porém desesperar, porque tenho fé em ti.»

«E tens rasão, anjo da minha vida! — exclamou o mancebo, tomando na sua a mão da donzella. — Serei cobar-