Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo III.pdf/197

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nibaes. Ao tomar nas mãos o horrivel documento, como que nos sussurra aos ouvidos o crepitar das ’chammas e o murmurio anhelante dos que se asphvxiam nos rolos de fumo; como que respiramos o cheiro das carnes que se carbonisam, dos ossos que se calcinam. E’ uma illusão de phantasia. O que está diante de nós é uma folha de papel, que os seculos amarelleceram, cuberta de caractéres legiveis e firmes, traçados por mão que não tremia, por mão que está alli revelando um coração de bronze. Feliz o nosso seculo, em que taes corações são pouco vulgares! O chefe da Inquisição em Lisboa começa por dizer a elrei que o céu estava esplendido. Aquelle homem ousava olhar para o céu. Os dias antecedentes haviam sido procellosos, e João de Mello notava essa circumstancia, porque o povo acreditaria que a formosura do dia era signal do favor celeste. O prestito saíu depois das seis horas da manhan da Misericordia e dirigiu-se ao cadafalso. A fidalguia rodeiava o clero. Os membros do tribunal da fé foram assentar-se ao lado do juizes do tribunal ecclesiastico da diocese. Não tardaram a chegar os sentenceiados. Eram proximamente cem, que, notava o inquisidor faziam um prestito magnifico. Con-