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— Tinha jeito. A mesma obediência, a mesma boa vontade. Mas era uma tal peste a feiticeira Sicorax, que o coitadinho do Ariel, não podendo mais suportá-la, revoltou-se. Sabe o que a diaba fez?

— Deu-lhe uma surra de vara de marmelo, aposto!

— Fendeu um pinheiro e entalou-o dentro. Imagine!

Narizinho imaginou e ficou vermelha de cólera. Não podia ouvir falar em judiação de crianças. Ariel devia ser uma criança. Dona Benta continuou:

— Diz Shakespeare que os gritos de Ariel dentro da árvore eram de romper céus e terras, e que seus gemidos comoviam até aos lobos, os quais paravam e olhavam na direção do pinheiro. E assim doze anos!

— Doze, vovó? E Ariel não morria lá dentro?

— Não, porque os silfos são imortais. Mas ao cabo de doze anos chega à ilha um grande velho de nome Próspero, muito sábio e bondoso. Ouve os gemidos do pinheiro, racha-o e, muito admirado, vê sair de dentro a encantadora figurinha do silfo.

— Estou imaginando a alegria de Ariel. Doze anos!...

— Sim, a alegria e a gratidão de Ariel foram tamanhas que ele imediatamente se escravizou a Próspero. Ficou sendo sua mão direita. Se o velho queria embravecer as ondas, ou incendiar um navio de piratas, ou adormecer uma tripulação inteira, ou salvar uma vítima na hora em que o carrasco vai decapitá-la, era a Ariel que recorria.

— Como embravecia as ondas?

— Convocando e comandando todos os silfos das águas e do ar, que são os elementos mágicos que governam os ventos e as ondas. Mas Ariel tinha um jeito de criança que só quer brincar. Queria a liberdade, e apesar de ser Próspero o melhor amo do mundo, Ariel não queria ter amo nenhum.

— Por quê?

— Para não fazer outra coisa senão brincar. Como seriam os brinquedos dele?

— Shakespeare conta. Ariel queria, cantando ao som do alaúde.

— Que é alaúde?

— Um instrumento de música, o pai do violão de hoje. Mas Ariel queria, cantando ao som do alaúde, ir nas rosas vermelhas embriagar-se com o perfume e lambiscar um melzinho; e queria, na hora em que as corujas começam a dar os seus primeiros pios, deitar-se e cochilar nas corolas das "primaveras". Ou então, quando o sol está recolhendo os seus últimos raios (como Tia