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MONTEIRO LOBATO

guinho científico que era para o Picapau Amarelo o mesmo que o gengibre para as talhadas de tia Nastácia.

A tristeza foi imensa. Emília aplicou o faz-de-conta: "Faz de conta que está vivo!" Mas pela primeira vez o faz-de-conta falhou. O Visconde continuou morto. Houve lágrimas e suspiros. Até Rabicó, que só suspirava por abóboras e mais coisas de comer, veio ver o que era e fez um ronrom suspirado. Narizinho o notou e se comoveu, mas a peste da Emília disse: — Está suspirando de não haver no corpo do Visconde nenhum grão de milho — ao que a menina retrucou: — Respeite pelo menos a morte, Emilia.

Depois vieram as sugestões sobre o que fazer. Um queria que o Visconde tivesse um enterro de primeira classe. Emília lembrou aquele sistema da Índia: queimar o cadáver numa pira. Venceu por fim a idéia de Dona Benta: tirar os braços e as perninhas para serem aproveitadas num sabugo novo, e o toco ela guardaria em seu armário como uma preciosa relíquia.

Nastácia foi ao paiol e escolheu uma bela e gorda espiga de milho. Sacou fora a palha e debulhou-a de todos os grãos, menos seis na altura do peito — iam ficar no novo Visconde como condecorações recebidas de reis e presidentes. Depois adaptou àquele corpo novo os braços e as perninhas do falecido e botou na cabeça a cartola, que estava só um pouquinho amassada. Ficou um belíssimo Visconde, mas mudo, sem vida — sem ciência.

— Exatinho como da outra vez — lembrou Emília. — Sem espremermos neste sabugo novo o caldo do corpo velho, não lhe volta a vida nem a ciência.

Todos acharam razoável. Mas como espremer um sabugo? Sabugo não é cuia de laranja ou caju.

— Com o espremedor de limão.

Pedrinho trouxe o espremedor de limão e fez a experiência, mas sem nenhum resultado.

— Não vai — disse o menino. — Só vejo um jeito: recorrer ao torno do Antônio Ferreiro. Não há o que aquele torno não esprema — e lá se foi com o novo Visconde, pendurado pelas palhinhas do pescoço, à tenda do ferreiro, que não ficava longe