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como sempre teve, parte conspícua. Não se precisa de grande esforço de imaginação para ver o nosso brasileiro, naturalmente com boa mesada, reputação de rico, desenvolto, talentoso, chistoso e trêfego, representando saliente papel nas famosas troças e tropelias daquela rapaziada irrequieta e bulhenta. «Anda aqui, escrevia desde Coimbra a um amigo da Corte um seu condiscípulo, Belchior da Cunha Brochado, ao depois desembargador na Bahia, anda aqui um estudante brasileiro tão refinado na sátira que com suas imagens e seus tropos parece que baila Momo às cançonetas de Apolo.» Imagina-se o furor que ele faria em Coimbra.

Dali já conhecido e estimado pelo engenho poético e gênio folgazão, parece saiu também com bons créditos de leguleio, confirmados pouco depois na prática de advocacia com um bom letrado, com quem trabalhou em Lisboa. A metrópole foi-lhe, como a tantos outros brasileiros, caroável e propícia. Teve em Lisboa os lugares de juiz do crime e de juiz de órfãos. Como tal uma de suas sentenças figura nos Comentários de Pegas às ordenações do Reino. Cresceu em créditos e considerações de jurista e jurisperito, com bons augúrios de aumentos na magistratura, quando de súbito se viu baldado nas suas pretensões a maiores cargos e, ao que parece, malquisto da Corte ou do Governo. O seu biógrafo, o licenciado Pereira Botelho, cujas são estas notícias, duvidosas por serem de uma única testemunha, que não era sequer presencial, não diz claramente o motivo deste desfavor.

Das suas retorcidas explicações, no mais sesquipedal estilo do tempo, pode-se porém induzir sem risco de erro que à sua veia satírica, tão bem iniciada em Coimbra, deveu Gregório de Matos a sua desgraça. Deu-lhe provavelmente curso e criou-se inimigos entre os poderosos. Mas ainda nesta conjuntura não lhe foi a fortuna de todo adversa, pois lhe deparou um favorecedor no primeiro arcebispo nomeado para a Bahia. Sem obstáculo de não ter Gregório de Matos mais que as ordens menores, o nomeou tesoureiro-mor da