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sua catedral, acrescentando-lhe o cargo de vigário-geral. De Lisboa veio Matos amatalotado com um patrício, que recolhia à terra como desembargador da Relação. Se são exatos os dados do seu biógrafo, teria Gregório de Matos, quando regressou à terra natal para nela viver, 58 anos feitos. Era já um pouco tarde para se lhe afazer e afeiçoar. Não seria uma natureza afetiva, como não o são em geral os satíricos. Mostra-o se ter deixado ficar em Portugal, donde só saiu obrigado das circunstâncias. Voltando do desterro de Angola, deixou-se também, por puro espírito de boêmia, ficar em Pernambuco, sem mais se lhe dar da família que na Bahia fizera e abandonara. É certo que entre os seus poemas alguns há à sua futura mulher e à morte de seus filhos. São porém os versos de praxe dos poetas enamorados. Nos feitos aos filhos a retórica do tempo escondeu o sentimento real que porventura os inspirou.

Pelo seu gênio malédico e satírico, pela irritação com que deixara Portugal, pelo desapego da terra, onde se encontrava deslocado e contrafeito, e a qual não cuidou de afeiçoar-se, achou-se naturalmente mal e contrariado nesta, e em oposição com ela. Mais de trinta anos de Portugal lhe tornaram insuportável a mesquinha vida da sua mesquinha Bahia.

Muito vaidoso, como soem geralmente ser poetas e literatos, era-o extremamente do seu título de doutor, do seu saber jurídico, da posição que tivera no Reino, e até de ser branco. Sentia-se, pois, afrontado com a indiferença dos seus patrícios e vizinhos, insensíveis a estas suas superioridades. Acham-se-lhe fartos documentos deste seu estado d’alma, em todo caso revelador de pouco espírito, em vários passos de sua obra. Na Epístola ao Conde do Prado, filho do governador-geral Marquês das Minas, claramente o descobre:

Era eu em Portugal sábio, discreto, entendido, poeta melhor que alguns douto como os meus vizinhos.