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versos do espanhol Quevedo, tantas vezes imitado e até plagiado por Gregório de Matos:

Muchos dicen mal de mi, y yo digo mal de muchos; mi decir es más valiente por ser tantos y yo ser uno.

Foi justamente esta situação singular em que o puseram a sua índole e o seu engenho que deu a Gregório de Matos a sua feição particular e distinta e o singularizou em a nossa literatura colonial. Enganaram-se redondamente os que pretenderam fazer dele ou quiseram ver nele um precursor da nossa emancipação literária, cronologicamente o primeiro brasileiro da nossa literatura. É de todo impertinente supor-lhe filosofias e intenções morais ou sociais. É simplesmente um nervoso, quiçá um nevrótico, um impulsivo, um espírito de contradição e denegação, um malcriado rabugento e malédico. Mas estes mesmos defeitos, se lhe não permitem figurar com a fisionomia com que o fantasiaram, serviram grandemente à sua feição literária e lha revelaram, embora parcialmente, sobre todas as do seu tempo. Em todo caso, mereceria Gregório de Matos aquela apreciação se houvera apenas sido o poeta satírico de sua obra e da tradição, o díscolo que só ele entre os seus contemporâneos malsinou do regime colonial e dos vícios públicos e particulares que o pioravam, e que, num impulso de despeito pessoal, foi o único a sentir aquilo que devia, volvidos dois séculos, ser o germe do pensamento da nossa independência:

Que os brasileiros são bestas e estarão a trabalhar toda a vida por manterem Magamos de Portugal.