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fizemos, resultará a certeza de que Gregório de Matos é antes um poeta burlesco, picaresco, até chulo, à maneira de Quevedo, seu modelo, e dos satíricos portugueses seus contemporâneos, do que satírico ao modo de um Horácio, de um Juvenal ou de um Boileau.

E não porque não houvesse nele talento para o ser. Que o havia mostram-no os seus poemas Aos vícios, belo de conceito e forma, os dous Retratos dos governadores Câmara Coutinho e Sousa de Menezes, e, acaso sobre todos a sátira que começa

Que néscio que eu era então quando cuidava o não era!

São todos modelos de boa poesia do gênero, em que podemos admirar imaginação, chiste e conceito, além da beleza métrica e da excelente língua, numerosa e propriíssima. Estas mesmas qualidades se nos deparam em outros seus poemas, já burlescos, já sérios, mas apenas parcialmente, em alguma estrofe, em algum verso. Geralmente, porém, ele é o tipo do poeta descuidado, desmazelado, como foi o tipo do homem desleixado. Versejava a torto e a direito, por conta própria ou alheia, sem escolha do momento ou do assunto, sem respeito ao próprio estro, nem decoro de quem era. Prodigalizava a veia inesgotável em temas como «A uma briga que teve certo vigário com um ouvires por causa de uma mulata», «A prisão de duas mulatas por uma querela que delas deu o célebre capitão... de alcunha o Mangará pelo furto de um papagaio», «A mulata... que chamava seu um vestido que trazia de sua senhora», «A mulata Vicência amando ao mesmo tempo a três sujeitos», «A um crioulo chamado o Luzia a quem vasaram um olho por causa de uma negra» e quejandas. Dele se conta que vendo em Pernambuco duas mulatas engalfinhadas numa briga que as pôs ridiculamente descompostas, pôs-se a gritar: «Aqui d’El-Rei, contra o Sr. Caetano de Melo!». A razão de seu grito, explicava