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sendo provável a existência de nenhum outro capaz de as escrever e que ficasse de todo incógnito; b) esse poeta devia reunir duas condições, manifestas no contexto do poema: ser português e ser inimigo rancoroso do governador satirizado. Que o autor das Cartas Chilenas é português de naturalidade mostram-no os versos 5 e 15 da pág. 149 da edição Laemmert, em que positivamente alude à sua vinda da Europa e ao seu nascimento em Portugal. Revela-se ainda português nas suas várias alusões todas pouco simpáticas à terra e às suas cousas, e em que, atacando acrimoniosamente o governador e a sua administração, não malsina jamais do regime ou do governo colonial. Revê-se ainda o reinol, branco estreme e de categoria fina, na sua manifesta antipatia aos mulatos, a quem não perde ensejo de apodar (págs. 106, 203, 312 e passim). A sua linguagem nimiamente castiça, de boleio de frase e vocabulário muito de Portugal, e outros sinais idiomáticos que uma análise miúda revelaria, traem também o português. Ora, como o único português do grupo era Gonzaga, a ele se deve atribuir o poema, onde aliás se encontram pensamentos, imagens e expressões que coincidem com as da Marília de Dirceu. (Cp. pág. 100: «Que importa que os acuses...» com a lira XXXVI da 1ª parte).

As Cartas são evidentemente de um inimigo acérrimo do governador, a quem não poupam as mais terríveis acusações e convícios. Ora, dos três poetas que somente podiam ser os seus autores, e únicos a quem têm sido atribuídas, só Gonzaga era sabidamente inimigo dele. Alvarenga Peixoto, ao contrário, é um favorecido, um protegido de Cunha Menezes, que o fez coronel, honraria que o desvaneceu mais que o seu título de doutor, e lhe concedeu adiasse o pagamento de certa dívida à Fazenda Real.