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raras obras-primas da nossa poesia e ainda de nossa língua. O próprio Portugal, geralmente pouco simpático às nossas tentativas de emancipação literária, pelo mais autorizado então dos seus órgãos intelectuais, Alexandre Herculano, não só reconhecia nos Primeiros cantos «as inspirações de um grande poeta», mas lastimava não houvesse o poeta dado neles maior espaço às poesias americanas. Os Timbiras cediam ao preconceito do poema épico da tradição portuguesa, continuada aqui desde os começos da nossa poesia. Acostando-se-lhe, fazia-o entretanto Gonçalves Dias com manifesta superioridade de inspiração e de expressão. Aquela é mais sincera, vem-lhe mais do íntimo. Porventura impulsado por um recôndito sentimento de sua alma de caboclo, avivado pela nostalgia do «filho do bosque», traz muito maior vigor de idealização. A expressão é muito mais rica, muito mais variada e melodiosa -sobre tudo muito mais melodiosa- que a de qualquer outro dos nossos poemas. Do maior dos nossos épicos até então, Basílio da Gama terá, com mais opulenta imaginação, a harmonia do verso branco, no qual já rivalizava com Garrett. A influência do Uraguai é visível no poema. Mas não o deslustra essa influência, que apenas revê a continuidade da nossa tradição poética. Indicia esse influxo, e quase reproduz o verso do Uraguai

No espaço azul não chega o raio

estoutro dos Timbiras, aludindo ao surto do condor após a presa feita,

E sobe audaz onde não chega o raio.

Também a apóstrofe - América infeliz! do formosíssimo canto terceiro recorda o -Gentes da Europa nunca vos trouxera- do segundo canto do Uraguai.

Nenhum poeta moderno teve como Camões o sentimento do paganismo e do seu maravilhoso. Assim também nenhum poeta brasileiro, em prosa ou verso, teve em grau