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igual ao de Gonçalves Dias o sentimento do nosso índio e do que lhe constituía a feição própria. Todos os nossos indianistas, maiores e menores, sem excetuar o próprio Alencar, que é quem em tal sentimento mais se aproxima de Gonçalves Dias, o foram antes de estudo e propósito que de vocação. Daí a sua inferioridade relativamente ao poeta dos Timbiras e os despropósitos em que caíram. E o conceito pode ser generalizado a toda a obra lírica de Gonçalves Dias.

É que ele é um dos raros, se não foi o único, dos nossos que, com os dons naturais para o ser, a vida fez poeta. Não a moda, a retórica, a camaradagem, a presunção ou algum estímulo vaidoso ou interesseiro, ou sequer patriótico, o fizeram poeta senão a dor e o sofrimento. É primeiro o afastamento do torrão natal e do carinho materno em anos verdes, a perda do pai e o isolamento em terra estranha, a amargura do seu nascimento mais que humilde, o sentimento da sua inferioridade social -contrastando com a sua fidalguia moral e mental, é a humilhação de viver de amigos, é a sua penúria de recursos e mesquinhez de vida, é o desencontro de suas ambições com as suas possibilidades, é o convívio do meio mesquinho seu conterrâneo e por fim e acaso mais que tudo, quando já lhe sorrira a glória e ele assim mesmo se enobrecera pelo gênio e trabalho, a recusa da mulher muito amada, por motivo do seu nascimento. Não há, ou apenas haverá um destes passos da sua vida dolorosa, aos quais outros fora possível acrescentar, que não tenha deixado impressões, ecos, vislumbres nos seus poemas. A nostalgia inspira-lhe a Canção do exílio, no seu gênero e ingenuidade acaso o mais sublime trecho lírico da nossa poesia, a expressão mais intensa e mais exata do nosso íntimo sentimento pátrio. As agruras da sua juventude as Saudades, de tão fina sensação dolorosa, de tão bela e comovedora expressão. Os seus amores infelizes esses dois soberbíssimos trechos sem iguais no nosso lirismo: Se se morre de amor e Ainda uma vez, adeus, e mais aquele encantador No jardim, amostra peregrina em