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nem na sua alma, nem na sociedade que lha formara. Por isso é talvez essa parte a sua obra não só mais original, porém, do puro aspecto literário, mais curiosa e mais viva. Conquanto aplicada no Maranhão, fez João Lisboa nela um comentário perpétuo do que é entre nós a vida política, cifrada como ele argutamente reconheceu, nas lutas dos partidos e nas brigas eleitorais. Tem o seu opúsculo o sinal das obras que por virtudes de pensamento e de forma não envelhecem e ficam contemporâneas de todas as eras. Refere o seu citado minudencioso e fidedigno biógrafo que, horrorizado da escravidão (a qual na sua terra, justamente mais do que em outras do Norte, apresentava mais execrando aspecto), começou João Lisboa a escrever um livro, meio história, meio romance, da escravidão no Brasil, como propaganda contra ela. Foi isto nas vésperas de 1850 ou à entrada desse decênio. Em todo caso antes do Jornal de Timon. O aparecimento da Senzala do Pai Tomé, como castiçamente vertia o Uncle Tom's Cabin, de Beecher Stowe, onde parece achou semelhanças com o seu principiado trabalho, fizeram-no desistir de continuá-lo. Havia, entretanto, em João Lisboa um romancista, e esta intenção prova que ele próprio o sentia. Provam-no, porém, melhor As eleições e os partidos no Maranhão, ruim título de uma excelente porção do Jornal de Timon, onde há cenas, diálogos, invenções, descrições, criações de tipos, figuras e situações fartamente reveladores de que não carecia João Lisboa, antes as tinha em grau relevante, das qualidades de imaginação, sem falar nas de expressão, de um bom romancista. As duas primeiras partes do mesmo Jornal, revelam em João Lisboa um pensador político e um moralista, no sentido literário dado hoje a este vocábulo, como não temos talvez outro. Os seus Apontamentos, notícias e observações para servirem à história do Maranhão, que constituem a terceira porção da obra, confirmando-lhe as qualidades literárias, descobrem-lhe peregrinos dotes de investigador, de erudito e de crítico, e fazem lastimar que como historiador não nos deixasse mais que essa curta obra fragmentária