Página:Historia da literatura brasileira (Verissimo, 1916).pdf/277

Wikisource, a biblioteca livre

e a Vida do padre Antônio Vieira. À história do Brasil, como ela vinha sendo feita aqui, até, se não mormente, pelo mesmo Varnhagen, história burocrática e oficial, ainda com o feitio de crônicas ou anais, sem imaginação, filosofia ou estilo, desanimada e tediosa, dava João Lisboa nova feição com a sua arte de fazer viver as personagens e os sucessos, aproveitando algum rasgo mais saliente deles com que os caracterizasse, descobrindo-lhes algum aspecto mais pitoresco ou lhos engenhando com bom gosto e justo senso das cousas históricas. Mas sobretudo com um sentimento brasileiro mais íntimo e perfeito que o de Varnhagen, muito maior sensibilidade artística e capacidade literária de expressão, e, também, compreendendo melhor do que nenhum dos seus predecessores os aspectos sociais e psicológicos da História e a importância do povo nela. Certos rasgos ou questões da nossa, como o respeitante aos índios, processos de colonização portuguesa, feições e caracteres diversos da vida colonial, ninguém aqui ainda os encarara com igual compreensão da sua importância, com tanta sagacidade e inteligência como João Lisboa. Com alumiado entendimento viu a questão dos índios sem as aberrações realistas de Varnhagen, nem o sentimentalismo romântico da época, sendo muito para notar em favor da sua inteligência a isenção com que apreciou o indianismo, em seu tempo tão vigoroso, e lhe viu a falácia: «Esse falso patriotismo caboclo, espécie de mania mais ou menos dominante, escreveu ele, leva-nos a formular quanto ao passado acusações injustas contra os nossos genuínos maiores; desperta no presente antipatias e animosidades, que a sã razão e uma política ilustrada aconselham pelo contrário a apartar e adormecer; e ao passo que faz conceber esperanças infundadas e quiméricas sobre uma reabilitação que seria perigosa, se não fora impossível, embaraça, retarda e empece os progressos da nossa pátria, em grande parte dependente da imigração da raça empreendedora dos brancos, e da transfusão de um sangue mais ativo e generoso, único meio possível já agora de reabilitação».