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como as européias, possam ter o interesse literário, e que não haja na alma elementar destes povos primários aspectos dignos de atenção da literatura. Há sempre num povo alguma cousa de íntimo que lhe é próprio, como no indivíduo algo recôndito e importante que o distingue. Ao escritor cabe descobri-lo e revelá-lo e à literatura representá-lo em suas relações morais e sociais.

Sabemos as sugestões de Chateaubriand, de Walter Scott, de Cooper, a que Alencar, como todos os autores de romances americanos de intenção histórica, obedecia. A crítica que mais tarde procurou diminuir Alencar contrapondo-lhe este e outros predecessores, nomeadamente o primeiro, criador do indianismo na mais moderna ficção americana em prosa, foi de todo ininteligente, acaso por ser de todo malévola. Muito embora seguindo trilhas já por outros abertas, José de Alencar o fez com sentimento diferente e próprio, inspiração pessoal e individualidade e engenho bastantes para assegurar-lhe, do ponto de vista da história da nossa literatura, créditos de original. Iracema (1865), Ubirajara, chamados pelo autor de «lendas tupis» são dois romances poéticos; a mais de um respeito dous poemas em prosa. E só como tal aceitáveis, pois apesar da cândida presunção contrária do autor, não é possível maior contrafação da vida, costumes, índole e linguagem do índio brasileiro, nem mais extravagante sentimento do que é o selvagem em geral e do que era particularmente o nosso. Porfiam nestes dous romances as mais disparatadas imaginações com as mais flagrantes inveros- similhanças etnológicas, históricas e morais. Imitados por escritores somenos, que não tinham a sincera inspiração de Alencar nem o seu engenho, foram estes os únicos que dessa literatura ficaram. Mais que a intenção nacionalista ou o preconceito indianista, já periclitante à publicação do último, deixaram-se os leitores tocar pela falaciosa mas sedutora poesia que neles havia, e que ainda não passou de todo.

Como a da maioria dos literados brasileiros, a formação literária de Alencar era, sobre deficiente, defeituosa. Se a