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Página:Historias de Reis e Principes.djvu/33

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HISTORIAS DE REIS E PRINCIPES

Mostrava alimentar a esperança de que a sua morte e a dos outros conspiradores seria vingada pelo veneno ou pelo punhal na pessoa do rei.

Ainda n'isto se não enganou Fernão da Silveira, porque os intestinos de D. João II parece terem cedido lentamente á acção toxica das drogas preparadas por mestre João de Masagão de accôrdo com o duque de Beja.

O inverno de 1489 havia sido cruel em toda a Europa. Estava-se em dezembro, os dias eram plumbeos, as noites tempestuosas.

Fernão da Silveira dizia muitas vezes a Izabel Rodrigues:

—A cada silvo do vendaval sinto-me estremecer interiormente, como um predio que vai desabar... É o presagio da morte, Izabel. Morro longe da patria, longe da familia que eu constitui em tempos de felicidade. Morro ao pé de um filho, e tenho saudades de outro. O coração é assim feito. Foi o tyranno que me casou, porque na côrte dos reis poderosos nem o coração é livre. Nunca tive nem podia ter por minha mulher a febre de amor com que tu me incendiaste os sentidos. É a ti que eu amo, boa alma, que tanto te tens doído das minhas dôres. Vivo comtigo com o mesmo direito com que o tyranno abandonava a rainha para se ir emboscar em Cernache do Bom Jardim com D. Anna de Mendonça, a mãe do bastardo. Se alguem n'este ponto podesse tomar-me contas, não era por certo o tyranno, tão fragil com mulheres. Mas da esposa que não amei nunca,