geral, enquanto bocados de neblina, finos, adelgaçados, flutuavam sobre elas como sombras erradias.
As ruas descalças e enlameadas eram atravessadas por alguns transeuntes cabisbaixos, malvestidos, andando céleres em busca do embarcadouro.
Corria, de resto, como sempre, morosamente o viver diário; e a Lívia, sacudida pelo silvo agudo de uma locomotiva, levantou de repente os olhos, até ali fitos na estação que emergia do ambiente pardo a clarear-se, para pregá-los numa nesga do céu que o sol abria, por entre a névoa, furiosamente, vitoriosamente.
A súbitas, sua alma voou, asas abertas, voo rasgado, para outras bandas, outras regiões. Voou para a cidade de luxo e elegância que, ao fim daquelas fitas de aço, refulgia e brilhava.
Representaram-se-lhe os teatros de luxo, os bailes do tom, a rua da moda onde triunfavam as belezas. Ao considerar isso, viu-se ali também, ela, sim! ela, que não era feia, tendo o seu porte flexível e longo, envolvido de rendas, a desprender custosas essências e aqueles seus dedos de unhas de nácar, ornados de ouro e pérolas, escolhendo, na mais chique loja, cassas, baptistes, voiles...
Numa galopada de sonhos, supôs maiores coisas e — lembrando-se do que lhe contara a madrinha (oh! como era rica!) — imaginou a Europa, aquelas terras soberbas, por onde a “dindinha” passeava a sua velhice e o seu egoísmo.
Doidamente revolvia a alma e as cismas... Calculou-se lá também, na alameda de um soberbo jardim, de landau, com ricas vestes ao corpo unidas, ressaltando delas o esplendor de suas formas e o esguio patrício de seu corpo. Imaginou que, através de um caro chapéu de palhinha branca, se coasse a luz macia do sol da Europa, polvilhando-lhe a tez de ouro, em cujo fundo brilhassem muito os seus olhos vivos, negros e redondos.
— Oh! que bom! Quem me dera! — quase exclamou por esse tempo.
De reviravolta, Lívia adivinhou outra coisa no sonho.