Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/126

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Não pensara bem; era outro que não o Godofredo, o rapaz que imaginara.

Aquele nariz grosso, aquela testa alta, o bigode ralo, não eram dele; eram antes do Siqueira, estudante de farmácia, filho do Agente. Esse poderia lhe dar aquilo — a Europa, o luxo — pois que formado ganharia muito.

Dessa forma — resolvera — “amarraria a lata” no Godofredo e “pegaria” com o Siqueira. E era muito melhor! O Siqueira, afinal, ia formar-se, seria um marido formado, ao braço do qual, se não fosse à Europa, viria a gozar de maior consideração...

Demais a Europa era desnecessária — para quê? Era querer muito. Quem muito quer nada tem; e ela para ter alguma coisa devia querer pouco. Bastava pois que lhe tirassem dali, fosse esse, fosse aquele; mas... se em todo o caso pudesse ser um mais assim... seria muito melhor.

E desde quando vinha ela querendo aquilo? Havia muitos anos; havia dez talvez. Desde os doze que namorava, que “grelava” só para aquele fim; entretanto, apesar de haver tido mais de quinze namorados, ainda ali estava, ainda ali ficava, sob o mando do cunhado.

Quinze namorados!

Quinze! De que lhe serviram?

Um levara-lhe beijos, outro abraços, outro uma e outra coisa; e sempre, esperando casar-se, isto é, libertar-se, ela ia languidamente, passivamente deixando. Passavam um, dois meses, e os namorados iam-se sem causa. Era feio, diziam; mas que fazer? como casar-se?

Por consequência, como viver? A sua própria mãe não lhe aconselhava? Não lhe dizia: “Filha, anda com isso; preciso ver esta letra vencida”?

De resto, o amor lhe desculparia, pois não é o amor o máximo tirano? Não é a própria essência da vida, das coisas mudas, dos seres, enfim?

Porventura ela os amara? Teria ela amado aquela legião de namorados? Amara um, sequer? Não sabia...

— O que é amar? interrogava fremente. Não é escrever cartas doces? Não é corresponder a olhares?