Página:Horto (1910).djvu/91

Wikisource, a biblioteca livre

UM SONHO
81

Calou-se o cirio, e a rosa entristecida,
Entreabrindo o calice perfumado,
Murmurou, n’uma prece indefinida
De mãe que pede pelo filho amado:

«Quero o meu leito, aqui junto ao Sacrario,
Minha tumba nos braços desta Cruz;
E’ tão doce subir para o Calvario
Beijando a terra onde pisou Jesus!

E depois... Quando a luz te consumir
Cahirão minhas folhas resequidas.
Outros cirios e rosas hão de vir
Redizer nossas queixas doloridas.»

Assim fallou a rosa, e, desfolhada
Tombou, chorando, sobre a pedra fria.
Da pobre vela reduzida ao nada
O pranto apenas sobre o altar se via.

·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·
·

Eu acordei... Uma tristeza infinda
Lembrou do sonho a imaginaria dôr,
E, de meu leito eu escutava ainda
Gemer o cirio e soluçar a flôr.

Jardim — 1895.