Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/107

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o peso da sua amargura: contemplou-o com um gesto de compaixão por alguns momentos, e, estendendo para elle os braços, exclamou:

“Fernando!”

Havia no tom com que foi proferida esta unica palavra um mundo de amor e voluptuosidade; mas no meio da brandura da voz de Leonor Telles havia tambem uma corda aspera; a lguma cousa do rugir do tigre.

Elrei deu um estremeção, como se pelos membros lhe houvera coado uma faisca electrica; ergueu-se e atirou-se a chorar aos braços de Leonor Telles.

“Ámanhan—­disse elle com voz affogada,—­o rei mais deshonrado da christandade serei eu: o cavalleiro mais vil das Hespanhas será D. Fernando de Portugal. Que me resta? Só o teu amor; mais nada. Porque não me pedem antes a corôa real, que para mim tem sido corôa de espinhos? Dera-a de boa vontade. Oh Leonor, Leonor! serias a mulher mais perversa se um dia me atraiçoasses.”

Um beijo da adultera cortou as lastimas d’elrei. A formosura desta mulher tinha um toque divino á claridade da lua. D. Fernando, embriagado d’amor, esqueceu-se de que poucas horas lhe restavam para fugir do seu povo enganado e ludibriado por elle.