Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/209

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Telles, em cujos olhos scintillava o contentamento.

Dizendo isto ella se affastára d’elrei. O seu aspecto tomou subitamente a expressão grave e severa de uma rainha. A um gesto que fez, Nunalvares ergueu o reposteiro, e o corregedor da côrte entrou. Trazia na mão um pergaminho aberto. Chegou ao pé de Leonor Telles, ajoelhou e entregou-lh’o.

A rainha pegou nelle, e apresentou-o a el-rei: o donzel trouxe uma das tochas que estavam nos angulos do aposento, e collocou-se á esquerda da cadeira de D. Fernando.

“A prova do que dissestes, rei de Portugal, está em estampardes no fim desse pergaminho o vosso sello de puridade.” [1]

D. Fernando recebeu o pergaminho e começou a ler: a cada uma das extensas linhas que o obrigavam a descrever um semi-circulo com o raio visual, o tremor das suas mãos se tornava mais violento, as contracções do seu rosto mais profundas. Antes de acabar de ler atirou o pergaminho ao chão, e com voz terrível exclamou,

  1. O selo de puridade ou do camafeu era aquelle que se estampava no proprio pergaminho, e que servia ordinariamente para o rei expedir documentos de menos importancia, na falta do chanceller-mór, que tinha o sêllo grande, curial, ou do cavallo. Veja-se a Dissertação 3ª de J. P. Ribeiro.