Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/210

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cravando os olhos reluzentes em Leonor Telles:

“Mulher, que me pedes tu?”

“Justiça, e as minhas arrhas.”

Era a primeira vez que elrei ousava resistir á vontade de Leonor Telles. Ella ainda não o cria. Habituada a ser obedecida pelo pobre monarcha, estas ultimas palavras foram proferidas com a insolencia de uma resolução incontrastavel.

“Justiça? Contra quem a pedes? Contra cadaveres e moribundos. As tuas arrhas? Tiveste em dote as mais formosas villas de meus senhorios: tiveste o que mais desejavas, as arrhas de sangue e ruinas. Para te contentar, deixei Lisboa entregue ao furor d’inimigos: para te contentar, fui vil e fraco: para te contentar, dos patibulos já têm pendido sobejos cadaveres. [1] E ainda não satisfeita, pretendes que antes de dormir uma unica noite na minha capital assolada, confirme uma sentença de morte? Leonor! tu eras digna de ser filha de meu implacavel pae!”

  1. Os tumultos contra o casamento de D. Fernando não se tinham limitado a Lisboa. Pelas doações dos bens dos treedores mortos ou decepados se conhece que houve assoadas e depois vinganças em Satarem, Leiria, Abrantes e outras partes.