vago de quem não o comprehendia. Depois a idéa da tardança d’elrei e da tardança do auto, que entrando pelas horas de ceiar e dormir iria fazer uma brecha horrorosa na disciplina monastica, veio desperta-lo como espinho pungente. Começou a bufar e a bater o pé, semelhante ao corredor brioso do livro de Job e da Eneida. Entretanto o architecto havia-se posto em pé: um pensamento profundamente doloroso parecia reverberar-lhe pela fronte nobre e turbada, e houve um momento de silencio. Por fim segurando com força a manga do habito de Fr. Lourenço, disse-lhe:
“Sois letrado, reverendo padre: deveis ter visto algum traslado da Divina Comedia do florentino Dante.”
“Li já, e mais de uma vez:—respondeu o prior:—É obra prima daquellas a que os gregos chamavam epos, id est, enarratio, et actio segundo Aristoteles; e se não houvesse nessa escriptura algumas ousadias contra o papa...”
“Pois sabei, reverendo padre,—proseguiu o architecto, atalhando o impeto erudito do prior,—que este mosteiro, que se ergue diante de nós, era a minha Divina Comedia, o cantico da minha alma: concebi-o eu; viveu comigo largos annos, em sonhos e em vigilia: