Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/265

Wikisource, a biblioteca livre

vamos, meu doutissimo padre; mostrae-me a casa do capitulo, a que mestre Ouguet acabou de pôr seu fecho e remate. Onde está elle? Quero agradecer-lhe a boa diligencia.”

“Beijo-vos as mãos pela mercê:”—­disse mestre Ouguet, que, sabendo da chegada d’elrei, e certo de que elle desejaria vêr aquella grande obra, tinha corrido ao mosteiro, e estava entre os da comitiva:—­“Se quereis vêr a casa do capitulo, vamos para a banda da crasta.”—­Dizendo isto, sem ceremonia tomou a dianteira, e encaminhou-se ao longo de um dos cubertos do claustro.

David Ouguet era um irlandez, homem mediano em quasi tudo; em idade, em estatura, em capacidade, e em gordura, salvo na barriga, cujos tegumentos tinham soffrido grande distensão, em consequencia da dura vida que a tyrannia do filho d’Erin lhe fazia padecer havia bem vinte annos. Desde muito moço que começára a produzir grande impressão no seu espirito a invectiva do apostolo contra os escravos do proprio ventre; e para evitar essa condemnavel fraqueza resolvêra traze-lo sempre sopeado. Não lhe dava treguas; se em Inglaterra o fizera muitos annos vergar sob o pêso de dez atmospheras de cerveja, em Portugal submettia-o ao mais fadigoso mister de cangirão