Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/81

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superficial, um nome deshonrado, por ter escripto esse nome na horrivel chronica da nossa Lucrecia Borgia. Uma difficuldade, quasi insuperavel para outra que não fosse D. Leonor, se interpunha entre ella e seus ambiciosos designios. Era casada! Um processo de divorcio por parentesco, julgado por juizes affectos a D. Leonor, ou que sabiam até onde chegava a sua vingança, a livrou desse tropeço. Seu marido, João Lourenço da Cunha, atterrado, fugiu para Castella, e D. Fernando, casado, segundo se dizia, a occultas com ella, muito antes da epocha em que começa esta narrativa, viu emfim satisfeito o seu amor insensato.

Aquelles d’entre os nobres, que ainda conservavam puras as tradições severas dos antigos tempos, indignavam-se pelo opprobrio da corôa e pelas consequencias que devia ter o repudio da infante de Castella, cujo casamento com elrei, ajustado e jurado, este desfizera com a leveza que se nota como defeito principal no caracter de D. Fernando. Entre os que altamente desapprovavam taes amores, o infante D. Diniz, o mais moço dos filhos de D. Ignez de Castro, e o velho Diogo Lopes Pacheco [1] eram, segundo parece, os cabeças da

  1. Fernão Lopes affirma que Pacheco não tornára ao reino desde que fugíra por escapar á vingança de D. Pedro I por causa da morte de D. Ignez, senão no anno de 72, em que viera por embaixador d’elrei D. Henrique. Isto parece inexacto; Fr. Manuel dos Santos affirma o contrario fundado na restituição de todos os seus bens e titulos feita por D. Fernando no começo do seu reinado. Não é isto que prova a assistencia de Pacheco em Portugal no anno de 1371, não só porque depois de vir podia voltar para Castella, mas tambem essa restituição podia ser feita estando e conservando-se elle ausente, visto que a fruição d’um titulo, ou de terras da corôa, por simples mercê, não obrigando a serviço pessoal, ao menos até o tempo de D. João I, não tornava necessaria a presença do donatario no reino. O que prova a verdade da opinião de Santos é a doação feita a Diogo Lopes em 1371 (Chancell. D. Fern. f.84) da terra de Trancoso para pagamento de sua quantia, o que supõe serviço pessoal; porque era pelas quantias que os fidalgos estavam obrigados a faze-lo.