Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/86

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arrancada, victoriando o seu capitão. O alfaiate não pôde resistir, nem porventura tinha vontade d’isso, a tanta popularidade, e em pé sobre o escabello, com a cabeça levemente inclinada para o peito, n’uma postura entre de resignação e de bemaventurança, tremulava-lhe nos labios semi-abertos um sorriso que revelava uma parte dos mysterios do seu coração. Emfim, quando a grita começou a asserenar, Fernão Vasques ergueu a cabeça, e com aspecto grave deu signal de que pretendia falar ainda.

Fez-se de novo silencio.

“Seja, pois, como quereis:—­disse o alfaiate—­mas vede o grão risco a que me ponho por vós outros. Falarei eu a elrei com liberdade portuguesa: proporei vosso aggravo e a deshonra e feio peccado de sua real senhoria, mas é necessario que vós todos quantos ahi sois estejaes de alcateia e ao romper d’alva no alpendre de S. Domingos. Dizem que a adultera é mulher de grande coração e ousados pensamentos; em Lisboa estão muitos cavalleiros seus parentes e parciaes. Bésteiros deste concelho, que não vos esqueçam em casa vossas béstas e aljavas! Pioada de Lisboa, levae vossas ascumas! Os trons e engenhos do castello—­accrescentou o alfaiate em voz mais