Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/242

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atravessador a picar-lhe o lanço; o Bento Rabixa, por exemplo, que tinha muito caroço, e que era um dos da tripeça da bisca. Vinham-lhe calafrios com tal pensamento. Uma palavra, uma allusão perderia, talvez, tudo. Era verdadeira agonia a sua. Costumado a implorar o céu nas grandes afflicções, Bartholomeu por uma daquellas subtilezas moraes dos avaros, que sabem conciliar a devoção com o seu vicio hediondo, ajoelhou diante do oratorio, e com lagrymas e fervorosas suplicas começou a pedir a S. João Baptista fizesse com que Barnabé não tugisse nem mugisse a similhante respeito. Nas suas orações passou-lhe, talvez, pela cabeça a idéa de um estupor na lingua de Barnabé. Desconfio: não o affirmo; porque não gósto de cousas dictas no ar. O que é certo é que procurou dar a entender ao sancto que teria duas vélas accesas e uma esmola para a sua festa, se as cousas lhe saissem a geito, exprimindo-se, todavia, por tal arte que não ficasse absolutamente preso pela palavra, e podesse roer a corda depois de se pilhar servido.

Em quanto o moleiro se debatia nestas tempestades de ambição, passava-se no presbyterio a scena que já descrevi entre João Nepomuceno e Gabriel. A principio Bartholomeu, embebido nos seus calculos, temores e rogativas,