Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/243

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nem sequer ouvíra os repiques variados e harmonicos, com que o rapaz do moinho rompêra o seu grande e festivo concerto; mas pouco a pouco o motim dos sinos crescêra a ponto, que só os defunctos do cemiterio poderiam ficar indifferentes a tão retumbantes bellezas musicaes. Na aldeia já ninguem se entendia no meio dessa procella de sons, que, trepando pelos outeiros ao redor, e precipitando-se para os valles além, iam levar o ruido da festa e a gloria de S. Pantaleão ás povoações vizinhas. Penetrando pelos ouvidos do moleiro, aquellas vibrações desalmadas fizeram-n’o despertar do extasi de sovinaria devota que o arrebatava. Ergueu-se, chegou-se á janella, alçou a adufa, poz-se a mirar o relogio de sol do campanario, piscando os olhos e fazendo com a mão uma especie de pala para os defender da luz, e depois de se affirmar por um pedaço, deixando cahir de golpe a adufa, correu á arca, murmurando:—­“nove horas! Já mais de nove horas! Esta só por trezentos milheiros de diabos! E ainda tenho de me vestir! Com seiscentos diabos! D’aqui a nada estão lá os outros. Ora o diabo!..”

Estas imprecações em razão descendente, que o moleiro tinha sempre na bôca por um mau habito, que todas as prégações e remoques