bocejou, bufou, espriguiçou-se, estendeu os braços para diante com os punhos cerrados, virou-se de barriga para o chão, metteu o nariz debaixo do sovaco, e proseguiu na interrompida tarefa. Felizmente para o pobre do moço, que se fosse presentido pelo moleiro teria de acordar de todo com o despertador infallivel de dous pontapés, Gabriel não resonava, ainda no mais profundo somno. Crendo estarem sós, os dous travaram a larga conversação que no principio desta famosa historia ficou fielmente trasladada.
Não faço eu tão fraca idéa de mim ou do leitor, que supponha assás falta de interesse a minha narrativa, ou o tenha a elle por um tal cabeça de vento, que se esquecesse da estrondosa gargalhada que desandou o padre prior ao manhoso saloio, quando este lhe propoz désse o dote a sua sobrinha Joanna, á falta de outra mais digna. A descommunal risada é que o somno de Gabriel, se não partido inteiramente, ao menos já estalado pelo grito de Bartholomeu, não pôde resistir. O rapaz fez uma viravolta, abriu os olhos, deu uma guinada ao corpo, ficou assentado, com as pernas estendidas, e a cabeça inclinada sobre o peito, meditabundo por alguns momentos, e immovel como um daquelles santões de que resa Fernão Mendes Pinto. Depois, levando as mãos á cabeça,