Página:Lourenço - chronica pernambucana (1881).djvu/37

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medonhos e inóspitos. Ser-me-á preciso recorrer ao disfarce que não há de valer muito em vós, porque o disfarce nas mulheres por pouco tempo engana. Ser-me-á preciso estar só, para, se tiver de morrer, poder morrer só, e menos dura me ser a dor da morte. Mas nada temais. Ficam convosco os últimos escravos da nossa confiança: alguns deles carregaram-vos em seus braços quando éreis menina. Mandei vir para junto de vós Marcelina, essa santa e piedosa mulher. Lourenço, que deverá acompanhar-me, porque eu não confio em outrem para viagem de tanto risco, voltará a Bujari, e tereis nele um defensor que valerá por cem. Deus, com a sua vigilância, completará o amparo.

Confidenciava o senhor de engenho com a mulher naquele mesmo gabinete particular onde, pouco mais de um ano antes, por São João, reunira a principal nobreza da vila, e lhe propusera o ataque aos mascates do Recife. Então dera mostras de força pelas quais se pudera aferir quanto era superior àqueles em recursos, quer materiais, quer morais. Agora, era tudo diferente. Em lugar de atacar, tratava de fugir aos inimigos. Ao seu lado via somente a mulher, que, posto fosse resoluta, e rogasse participar da sua sorte, antes lhe inspirava incerteza que decisão. Em vez de rubra soberba, mostrava no gesto cauteloso, pálida resignação, em vez de arrogância, tinha nas palavras magoados tons.

D. Damiana sentou-se ao pé do marido, e pôs-lhe meigamente um braço sobre o ombro. Não lhe consentiu ele