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À noite, quando dei por mim, subia as escadas de Lúcia. Se alguém me perguntasse o que ia fazer, ficaria bem embaraçado para responder e bem admirado da pergunta.

Tinha passado o resto do dia a atordoar-me, a fazer esforços inúteis para expelir da idéia uma lembrança que me afligia; à noite não pude resistir: senti uma necessidade invencível de ver aquela mulher, que eu já aborrecia.

Tinha-a eu amado para ter o direito de odiá-la.

Lúcia estava no toucador, acabando de vestir-se. A minha entrada lhe causou alguma surpresa. O acolhimento que me fez foi triste, mas doce e afável.

— Cometi uma indiscrição talvez, usando da liberdade que me deu outrora.

— Quem fez do presente um passado já tão remoto? Não fui eu! Mas fique certo que esta casa, hoje, como ontem, como amanhã, não tem para o senhor nem portas, nem paredes.

— Renuncio de bom grado a tanta honra; prefiro esperar no topo da escada, a correr o risco de uma surpresa ridícula para ambos.

Lúcia fitou-me por muito tempo, e chegou-se ao espelho para dar os últimos toques ao seu traje, que se compunha de um vestido escarlate com largos folhos de renda preta, bastante decotado para deixar ver as suas belas espáduas, de um filó alvo e transparente que flutuava-lhe pelo seio cingindo o colo, e de uma profusão de brilhantes magníficos capaz de tentar Eva, se ela tivesse resistido ao fruto proibido. Uma grinalda de espigas de trigo, cingia-lhe a fronte e cala sobre os ombros com a basta