no coração o germe da poesia ingênua e delicada das naturezas primitivas, que se revela por um emblema e por uma alegoria. Ela me dizia no seu traje, o que nunca se animaria a dizer-me em palavras, que estava tão pura como eu a tinha deixado, do contato de outro homem.
Lúcia expandia-se com tal efusão de contentamento, que, se há felicidade neste mundo, devia ser a que ela sentia. Entretanto, passada essa primeira e fugace irradiação, achei-a fria, quase gelada; apenas respondia às minhas carícias ardentes e impetuosas. Naquele momento atribui à prostração natural depois de tão fortes emoções; porém me enganava.
A frieza continuou aumentando de dia em dia, até que uma vez não me pude conter:
— Parece-me que já te aborreceste de mim, Lúcia!
— Creio que estou doente! sofro tanto!
— De quê? Dessa moléstia do coração de que já me falaste ?
Fugiu-lhe pelos lábios um sorriso sinistro.
— Sim; dessa moléstia do coração que me há de matar!
E então, como para desvanecer a impressão que me deixara a sua frieza, atirava-se aos meus braços com uma espécie de frenesi; mas a sua ternura tinha um desabrimento e rispidez que me lembravam as palavras de Sá, e as impressões acres da primeira vez que possuíra esta mulher.
A minha Lúcia dos bons dias, que aveludava-se no estreito enlace com que me cerrava ao seio, que diluía-se de gozo engolfando-me num mar de voluptuosidades, que aspirava-me a vida num beijo para vazá-la de novo e gota a gota: essa, eu só revia