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Que os corações e as rochas de granito
Transfigura em piedade e sonho triste ...»

Assim, ao longe, os echos repetiam.

E uma aureola de som amanhecente,
Nimbo esfumado em longes de harmonia,
Cingia a fronte mystica e inocente
Da Virgem enlevada em seu materno,
Intimo pensamento ... E em volta d'ela,
O húmido, nevoento e baço Inverno
Lembrava o mez de maio florescido.
E os regatos, na doce claridade,
Erguem as mãos de bruma ... e os fragaredos,
Contemplando n'um êxtase a Saudade,
Revestem-se de musgo que é ternura . . .
E os passarinhos simples da Montanha
Pousando-lhe na trança, ali cantavam . . .
E a luz em seu regaço adormecia,
E as penumbras da tarde murmuravam . . .
E dos ermos outeiros concentrados
N'um meditar pacifico e profundo,
Subia para os astros encantados
O marulhaníe cântico das aguas . . .
E tudo o que na Terra e Ceu existe,
Seja aparência azul, verde ilusão,
Marános e a Saudade enamorava,
Como se a grande Serra do Marão
Fosse o logar do antigo Paraizo ;
E ele o primeiro homem; e ela fora
A primeira mulher, e aquele dia
O filho primogénito da Aurora . . .