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A deusa que disseste? ou fugitivo
Phantasma de donzela enamorada
Que estes montes saudosos conceberam?
Os teus olhos que vêm? Que vêm teus olhos
Atravez d'essas nuvens que esconderam
O sol latente e vivo em cada corpo?
Que vê tua loucura, quando fala
Ás êrmas cousas mortas que te cercam?
E em mim que verá ela, quando exhala
Esse túrbido fumo de magia
Que imaterialisa as próprias pedras?
Mas não sou eu que falo! Não sou eu!
Que voz, que estranha voz, me sobe aos labios?
Dir-se-hia que estou grávida do teu
Delírio que me beija e que me abraça!
Sinto meus seios túmidos de sonho!
E em meus olhos brumosos se adelgaça
E já se desvanece a minha vista...»


As meigas ovelhinhas, com surprêsa,
Pareciam olhá-la... E a sua trança
Desprendida, fluetua: é luz acêsa
A direcção do Zephyro indicando...


E Marános: «Pastôra d'estes montes,
Estranha é a tua voz que me revela
Que tu não és apenas a mulher
Que veiu ao mundo só para ser bela!
Não és a luz que apenas ilumina,
Mas és também a luz que vê ... Não és
Aquela estatua rigida e divina,

Eternamente amada e sem amar!