Página:Marános, Teixeira de Pascoaes, 1920.djvu/35

Wikisource, a biblioteca livre
III


MARÁNOS, ELEONOR E A PASTORA




Logo que estas palavras fôram ditas,
Uma nuvem o sol escureceu.
E de novo, Eleonor surgiu da sombra
E mysteriosamente apareceu...
Um crepusculo terno diluia
A nitidez cortante das arestas;
E no cinzento azul quasi se ouvia
Uma canção de sombra, um som brumoso...
Era a hora sem fim da meia luz;
Uma visão diurna do sol-pôr,
Quando as fórmas mais finas se destacam
E toma vida e corpo o nosso amôr.
Era esta luz baixinha e milagrosa,
Que sabe dirigir os nossos olhos
Para a essencia das cousas, mysteriosa,
Para a Beleza imaterial e pura.
Era a sagrada luz n'aquele instante
Em que se torna sombra, e, sem deixar
De alumiar o mundo, já permite
O nascer das estrelas e o cantar
Dos passaros sedentos de penumbra.
Era o sol comovido, extasiado
Ante uma nevoa apenas, emanando

Espirito profundo e concentrado...