Página:Marános, Teixeira de Pascoaes, 1920.djvu/77

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«Ah, repára tu bem na intimidade
Que entre as cousas existe! E então verás
Que, na essencia, um amor, uma saudade
É o mesmo que uma pedra ou uma flôr.
O que é a Natureza? É qualquer cousa
Que não sendo matéria nem espirito,
Na sua evolução mysteriosa,
Se torna material e espiritual.
Olha; contempla a Escada de harmonia
Por onde a Vida sobe em alma pura
E desce em pobre corpo de agonia
Da terra á luz do céu, do céu á terra.


«O Reino Espiritual, que para os homens
Era uma sombra morta, uma ilusão,
Existe em realidade e na verdade
Integrado na propria Creação.
E saberás, portanto, qual é o teu
Destino sobre o mundo; e saberás
Que tudo o que ha debaixo deste céu,
Tem um sentido claro e natural!»


E Marános, no susto e no arripio
De tão grande milagre, pois de certo,
Ninguem como ele ouvira assim falar
A Sombra da Montanha e do Deserto,
Com a fronte inclinada para o mundo,
Ouvira aquela Voz, e meditava...
E distante e esquecido de si mesmo,
Em seu pensar profundo se abysmava...
E sentia-se agora tão estranho,

E tão outro julgava o seu viver,