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da religião de Christo contra a religião dos papas.

Á meia noute o ceu se aclarou, o trovão e os canhões se calaram, e o silencio succedeu ao infernal mugido; — silencio durante o qual os francezes se approximavam cada vez mais das muralhas, e se apoderavam da ultima brecha feita no bastião n.º 8.

Ás duas horas da manhã, ouviram-se tres tiros de peça disparados a distancia.

As sentinellas gritaram — alarma, — os clarins tangeram.

Os bersaglieri sempre promptos sempre infatigaveis, sahiram da villa Spada e correram á porta São-Pancracio, deixando duas companhias de reserva para guardar a villa. Embebiam-se até aos joelhos na terra lodosa.

Puz-me á sua frente, com a espada desembainhada, cantando o hymno popular da Italia.

N’este momento, confesso-o, completamente desesperado do futuro, não tinha senão um desejo — o de me fazer matar.

Lancei-me sobre os francezes.

Que se passava então? Não o sei.[1] Durante

  1. Eis aqui como o historiador Vecchi, um dos mais corajosos defensores de Roma descreve este combate:

    “Nós estavamos cerrados na villa Spada, onde sustentavamos um horrivel fogo de mosquetes e carabinas: Começavam a faltar-nos as munições, quando o general Garibaldi appareceu com uma columna de legionarios e alguns soldados do 6.º regimento de linha, commandados por Pazi, decidido a dar um ultimo golpe, não para salvação, mas para honra de Roma. Reunidos aos nossos companheiros, lançamo-nos sobre a brecha, ferindo com lanças, espadas e bayonetas: a polvora e as ballas faltavam. Os francezes espantados d’este terrivel choque recuaram logo; mas outros vieram, ao mesmo tempo que a artilheria apontada sobre nós começava a levar-nos filas inteiras. O recinto Aureliano foi tomado e retomado; não havia ahi nem logar onde pousar o pé a não ser sobre algum morto ou ferido. Garibaldi, durante esta noite, foi maior do que eu nunca o vira, maior que nunca ninguem o vio. Sua espada era um raio; cada homem ferido era um morto. O sangue de um novo adversario lavava o sangue do que acava de cair. Tel-o-hiam chamado Leonidas nas Termophylas, Ferracio no castello da Gavissana. Eu tremia de o ver cair de um a outro instante; mas não; ficou de pé como o destino.”