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Extinguiu-se o nosso fogo.

A brecha feita no bastião era praticavel.

O muro da porta São-Pancracio e o bastião n.º 9 desmoronavam-se.

A noite de 29 desceu egual a um lençol sobre Roma.

Para impedir a reparação das nossas brechas a artilharia franceza ribombou de noute:

Foi uma noite horrivel. A tempestade do ceu misturava-se á da terra. O trovão troava; o raio cruzava-se com as bombas, o raio cahia em tres ou quatro partes como para sagrar a cidade.

Apesar da festa de São-Pedro, os dois exercitos haviam continuado o seu duelo de morte.

Vindo a noite como se esperava um ataque nas trevas, toda a cidade inclusivè a grande cupula do Vaticano, foi illuminada.

E demais a mais era de uso em Roma, fazel-o na noite de São Pedro.

Aquelle que durante esta noite houvesse fixado a vista sobre a cidade eterna teria visto um d’estes espectaculos que o homem não contempla senão uma vez no decurso dos seculos.

A seus pés teria visto estender-se um grande valle cheio de egrejas e palacios, dividido em dois pelas aguas do Tibre, que parecia um Phlégéton; á esquerda um monte, o Capitolio, sobre cuja torre fluctuava ao vento a bandeira da republica; á direita o transumpto sombrio do Monte Mario, onde fluctuavam ao contrario unidas as bandeiras dos francezes e do papa, ao fundo a cupola de Miguel-Angelo, alevantando-se no meio das nuvens toda coroada de luz; emfim, como painel ao quadro, o Janiculo em toda a linha de São-Pancracio, tambem illuminada, mas pelo fusilar dos canhões e dos mosquetes.

Depois ao lado d’isto alguma coisa mais que o choque da materia: a lucta do bom e do mau principe, do Senhor e de Satanaz, d’Arimano e de Oromaze; a lucta da soberania do povo contra o direito divino, da liberdade contra o despotismo,