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A falúa de que já fallei sustentou-se admiravelmente no começo da tormenta, e não duvido dizer que todos nós receiando que a tempestade augmentasse, desejavamos antes estar a bordo da falúa, do que dos nossos navios. Infelizmente a desgraçada embarcação estava destinada a offerecer-nos um doloroso espectaculo: uma vaga horrivel a cobriu, e em bem poucos instantes todos aquelles desgraçados foram submergidos. A catastrophe tinha logar á nossa direita, e por isso nos era absolutamente impossivel soccorrel-os. Os outros navios que nos acompanhavam tambem se achavam na mesma impossibilidade. Nove pessoas da mesma familia morreram á nossa vista, sem lhe podermos prestar o mais leve soccorro. Algumas lagrimas appareceram nos olhos dos mais endurecidos dos nossos marinheiros, mas o perigo proprio era tal que ellas bem depressa seccaram. A tempestade abrandou, como se estivesse satisfeita por haver immolado estas victimas; e chegamos a Vado sem incidente.

De Vado parti para Genova, e de Genova voltei a Niza.

Então comecei uma serie de viagens ao Levante, durante as quaes fomos tres vezes tomados e roubados pelos piratas. Duas vezes o fomos na mesma viagem, o que tornou os segundos piratas mui furiosos, visto que não nos encontravam cousa alguma para roubar. Foi n’estes ataques que comecei a familiarisar-me com o perigo, e a vêr que sem ser Nelson, podia como elle perguntar: — O que é o medo?

Foi n’uma destas viagens, no bergantim Cortese, capitão Barlasemeria, que fiquei doente em Constantinopla. O navio foi obrigado a fazer-se de véla, e prolongando-se a minha doença mais do que eu tinha julgado, achei-me muito falto de recursos.

Como em todas as situações desgraçadas em que me tenho achado, sempre encontrei alguma