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Como o salvei debaixo do nome de José Pane, é provavel que se é ainda vivo, nunca soubesse o verdadeiro nome de seu salvador.

Fiz na Union a minha terceira viagem a Odessa, depois á volta embarquei-me em uma fragata do bey de Tunis. Deixei-a no porto de Goletta, voltando a Marselha em um brigue turco. Quando cheguei a esta cidade encontrei-a quasi no mesmo estado que M. de Belzunce a viu em 1720 quando ali grassava a febre negra.

O cholera fazia então estragos horriveis.

Na cidade só existiam os medicos e as irmãs da caridade, quasi todo o resto da população havia desertado e viviam nas quintas dos arrebaldes. Marselha tinha o aspecto d’um vasto cemiterio.

Os medicos pediam os benevolos. É assim, como se sabe, que são chamados nos hospitaes os enfermeiros voluntarios.

Offereci-me ao mesmo tempo que um rapaz de Trieste que voltou de Tunis comigo. Estabelecemo-nos no hospital, e ahi partilhavamos as vigilias.

Este serviço durou quinze dias. No fim d’este tempo, como o cholera diminuiu de intensidade e achava uma occasião favoravel de ver novos paizes, embarquei-me, como segundo no brigue Nantonnier, de Nantes, capitão Beauregard, que se achava proximo a partir para o Rio de Janeiro.

Muitos dos meus amigos me teem dito que antes de tudo sou poeta.

Se para ser poeta é necessario escrever a Iliada, a Divina Comedia, as Meditações de Lamartine, ou os Orientaes, de Victor Hugo, eu não sou poeta: mas se para o ser é necessario passar horas e horas a procurar nas aguas asuladas e profundas do mar os mysterios da vegetação submarina, se é necessario ficar em extase diante da bahia do Rio de Janeiro, de Napoles ou de Constantinopla, se é preciso pensar no amor filial, nas recordações infantis, ou n’um amor juvenil no meio das ballas e bombas, sem pensar que esse sonho