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MEMORIAS DE UM NEGRO
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Tudo era incompleto, insufficiente. Faltava dinheiro para a compra de utensilios. Os generos não nos preoccupavam: poderiamos obtel-os a credito. Confesso que me affligia muitas vezes nesse tempo a confiança que depositavam em mim. Não me considerava digno della.

Impossivel cozinhar sem fogão e comer sem pratos. Voltámos á moda antiga: preparámos a comida em tachos e marmitas postos sobre fogos de lenha ao ar livre. E convertemos em mesas os bancos dos carpinteiros que haviam trabalhado na construcção da casa. Quanto a louça nem é bom falar nella, tão pouca existia.

Os cozinheiros não tinham a minima idéa da regularidade indispensavel ao serviço, e isto me transtornava. Tudo ia mal, uma desordem completa. Nas duas primeiras semanas não tivemos refeição que prestasse. Ora a carne vinha crua, ora vinha queimada, não deitavam sal no pão e esqueciam-se do chá. Um dia, á porta do refeitorio, ouvi queixas mais energicas e mais numerosas que as habituaes. Ausencia absoluta de almoço. Uma rapariga deixou a mesa e, em falta de alimento, foi beber agua no poço, mas achou partida a corda do balde. Não me vendo ali perto, afastou-se murmurando com desanimo:

— Que escola, santo Deus! Nem agua se encontra.