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MEMORIAS DE UM NEGRO
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de moer o trigo, seria noite, eu voltaria para casa no escuro. O caminho atravessava bosques cerrados — e corria que no mato fervilhavam desertores, que os desertores, encontrando um moleque sózinho, cortavam as orelhas delle. Alem disso brigavam commigo quando eu voltava tarde, ou davam-me uma surra.

Sendo escravo, não recebi nenhuma instrucção. Fui muitas vezes até a porta da escola, carregando os livros duma das pequenas donas da gente — e algumas duzias de meninas e meninos numa classe, estudando, muito me impressionaram: aquillo era um céo.

Um dia, muito cedo, accordei vendo minha mãe inclinada sobre nós a rezar, pedindo a Deus que as forças de Lincoln triumphassem e nos dessem a liberdade. Ahi percebi que viviamos na escravidão, mas que isto não era mal sem remedio.

Nunca pude saber como os pretos do Sul, ignorantes quasi todos em livros e jornaes, conheciam tão bem as grandes questões que agitavam o paiz. Desde o tempo em que Garrison, Lovejoy e outros começavam a campanha abolicionista, os escravos seguiam de perto os progressos do movimento. No começo da guerra civil eu era menino, mas lembro-me de varias discussões cochichadas á noite entre minha mãe e outros escravos da fazenda.