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{{cabeçalho|4|BOOKER T. WASHINGTON|

Não me lembro de ter dormido em cama antes da alforria da minha familia. Eramos tres moleques: João, o mais velho, Amanda e eu. Dormia-mos no chão, numa esteira, enrolados em farrapos sujos.

Pediram-me ha tempo que falasse das minhas brincadeiras infantis; nunca, porém, até o dia em que me tocaram nisso, me havia passado pela cabeça a idéa de que um minuto da minha vida se tivesse gasto com brinquedos. Desde que me entendo, executo quasi todos os dias algum trabalho. Parece-me, entretanto, que seria hoje um sujeito mais util se tivesse tido tempo de brincar.

Quando era escravo, muito novo ainda, não servia para grande coisa. Apesar disso empregavam-me em varrer o pateo, carregar agua para os homens do campo ou levar trigo ao moinho, uma vez por semana, serviço terrivel, o peor de todos. O moinho ficava cerca de uma legua da fazenda. O pesado saceo arrumava-se nas costas do cavallo, de sorte que fosse parte igual de trigo para cada lado, mas de ordinario os grãos se deslocavam, o equilibrio se rompia, a carga ia abaixo — e eu com ella. Não tinha força para tornar a carregar o animal, ás vezes ficava horas esperando que um transeunte me livrasse da difficuldade. E chorava, tremia de medo, porque, perdendo tanto tempo, chegaria tarde ao moinho. Quando acabassem