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Página:Memórias de um Negro (1940).pdf/11

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MEMORIAS DE UM NEGRO
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duzia de lugares por onde o gato podia passar. A casa não tinha soalho; só a terra dura. No centro, uma cova profunda onde se guardavanı batatas no inverno. Lembro-me disso muito bem: quando mettiam batatas no buraco ou quando as retiravam, eu conseguia ás vezes passar os gadanhos em algumas, assava-as na cinza e regalava-me. Como não existia fogão, minha mãe cozinhava para os brancos e para os escravos em panellas e tachos, sobre trempes. Naquella cabana mal construida o frio era duro no inverno, mas o calor do fogo era horrivel no verão.

Os primeiros annos da minha infancia correram como os de milhares de outros escravos. Minha mãe, é claro, só podia dedicar pouco tempo aos filhos: roubava para nós alguns intantes da manhã, antes de começar a tarefa, outros da tarde, quando o trabalho findava. Numa das minhas recordações mais antigas, vejo-a cozinhando um frango alta noite e accordando os filhos para comel-o. De que modo ella achara o frango, e onde achara, não sei, mas presumo que elle vinha do gallinheiro do proprietario. Ha quem diga que isso é furto, penso que agora é furto; mas a coisa se passava naquelle tempo, e ninguem me prova que, procurando um meio de alimentar-nos, minha mãe commettesse um crime.