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MEMORIAS DE UM NEGRO
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tinha muitos filhos e filhas. Que eu saiba, nenhum escolheu uma profissão, nenhum se dedicou a qualquer industria rendosa. As moças não entendiam de costura, de cozinha, de qualquer trabalho domestico. Os escravos se encarregavam de tudo, mas não tinham interesse na fazenda, e a ignorancia os impedia de fazer qualquer coisa com geito. Por isso as cercas se estragavam, as portas rangiam ou sahiam dos gonzos, os vidros se quebravam, o reboco não se concertava, o pateo se cobria de hervas. De ordinario havia uma comida especial para os negros, outra para os brancos. Na mesa dos senhores, porém, faltava essa delicadeza, esse cuidado minucioso que torna o lar inglez o mais confortavel, o mais agradavel, o mais attrahente dos lugares. Esbanjavam-se alem disso, de maneira insensata, os alimentos e outros objectos.

Libertando-se, o escravo se achava tão preparado quanto o seu amo para começar um novo genero de vida, menos na parte relativa á instrucção e ao exercicio da propriedade. O antigo senhor e seus filhos, sem profissão, estavam imbuidos da idéa de que o trabalho manual não havia sido feito para elles. Com os escravos dava-se o contrario: tinham aprendido algum officio e nenhum se envergonhava de trabalhar.

Emfim a guerra terminou e veio o dia grande, um dia memoravel e cheio de incidentes. A liber-