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BOOKER T. WASHINGTON

dade, longamente esperada, estava no ar. Fazia mezes que os desertores voltavam para casa; militares despedidos, ou de regimentos licenciados sob palavra, passavam constantemente por nós. Os boatos funccionavam dia e noite, noticias e rumores de acontecimentos notaveis iam rapidos de fazenda a fazenda. A baixella e outros objectos de valor foram retirados da casa grande, enterra los no bosque e guardados por escravos de confiança. Ai de quem tentasse mexer no thesouro escondido! Os pretos dariam tudo aos soldados yankees; comida, bebida, roupa, tudo, mas não a baixella de prata.

Á medida que se approximava a libertação, os cantos na senzala se tornaram mais numerosos que de ordinario: mais fortes, mais seguros, entravam pela noite. Muitas palavras desses cantos encerravam allusões á liberdade. Sem duvida todos haviam cantado essas mesmas palavras antes, mas tinham o cuidado de explicar que a liberdade de que se tratava era no outro mundo, não tinha nada com esta vida. Agora tiravam a mascara e não temiam declarar que a liberdade, em seus cantos, significava a do negro na terra.

Espalhou-se uma noite na senzala que no dia seguinte pela manhã haveria um acontecimento extraordinario na casa grande. A excitação foi enorme, creio que ninguem dormiu direito. No outro