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MEMORIAS DE UM NEGRO
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solvi aprender qualquer coisa e procurei furiosamente adivinhar o alphabeto no livro de capa azul. Minha mãe soffreu commigo, consolou-me de todos os modos e ajudou-me a achar o que me era necessario. Entendi-me afinal com o mestre, que me veio dar licções á noite, depois do trabalho. Fiquei tão alegre com isso que acredito haver ganho mais á noite que os que tinham o dia inteiro. O que então obtive serviu-me de estimulo mais tarde, em Hampton e Tuskegee, para o estabelecimento de cursos nocturnos. Mas no meu coração de criança eu nutria o desejo de estudar como os outros e nunca deixei de, por todos os meios, advogar a minha pretenção. Afinal venci: permittiram-me ir á escola diurna, durante alguns mezes, com a condição de me levantar muito cedo, trabalhar na usina até nove horas da manhã e voltar á tarde para mais duas horas de serviço.

A escola ficava um pouco longe da usina; e como eu só podia sahir ás nove horas, precisamente quando as aulas se abriam, a minha situação era desagradavel: chegava sempre depois de começadas as licções, ás vezes depois de terminadas. Para sahir do embaraço, pratiquei um acto que os leitores certamente condemnarão. Conto-o porque é um facto: confio muito no poder dos factos. Em geral é inutil esconder as coisas. Havia no pequeno escriptorio da usina um relogio que regulava o tra-