Página:Novellas extraordinarias.pdf/211

Wikisource, a biblioteca livre
O ESCARAVELHO DE OURO
203

não sonha senão com ouro, mais uma prova de que foi mordido pelo escaravelho de ouro. Já não é a primeira vez que ouço falar em escaravelhos de ouro.

— Como sabes elle sonha com ouro?

— Como sei? Porque toda a noite eu o ouço a falar n'isso.

— Emfim, talvez tenhas razão, Jupiter. Mas a que afortunado acaso devo hoje a honra da tua visita?

— Trago-vos uma carta de Massa Legrand.

— Assim dizendo, Jupiter entregou-me a seguinte carta:

Meu caro,

« Porque não tens vindo à minha casa ha tanto tempo? Quero acreditar que não seja por te teres formalisado com a minha incivilidade do outro dia; mas não, isso não é possivel!

Desde a ultima vez que te vi, tenho tido grandes preoccupações. Desejo confiar-te um segredo; mas não sei como t'o hei de dizer: nem sei mesmo se t'o chegarei a dizer.

Não tenho passado bem estes ultimos dias, e o pobre Jupiter maça-me horrorosamente com todas as suas boas intenções e attenções. Queres saber uma cousa? Outro dia, o bom velho tinha preparado um cacete para me castigar, por eu ter passado um dia inteiro sósinho no meio das collinas, sobre o continente. Não sei o que me salvou da sova. Creio que foi a má cara que lhe mostreí.

Na minha collecção não ha nada de novo.

Se puderes, sem grandes inconvenientes, vem com Jupiter. Desejo muito vêr-te esta noite, para falar-te de negocio de muito grave. Vem, vem! Asseguro-te que é um negocio da mais alta importancia. »

Do teu amigo

William Legrand.