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NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

humanas. Legrand caminhava na frente, parando apenas, de tempos a tempos, para consultar certas indicações que elie parecia ter precedentemente tomado.

Caminhámos assim cerca de duas horas; era sol posto quanda entrámos n'uma região ainda mais sinistra que todas as que até então haviamos atravessado. Era uma especie de planalto, no cume d'uma montanha horrorosamente escarpada, coberta de arvoredo desde baixo até acima, e semeiada de enormes massas de pedra, que teriam infallivelmente rebolado para os valles inferiores sem o soccorro das arvores que as seguravam. Regueiras profundas irradiavam em diversas direcções, dando á scena um caracter da solemnidade mais lugubre.

Aquella especie de planato era por tal fórma coberto de espinheiros que, sem a fouce, nos teria sido impossivel atravessal-o. Jupiter, por ordem do seu senhor, preparou-nos o caminho até proximo d'um tulipeiro gigantesco, que se erguia no meio de oito ou dez carvalhos, sobre a plantaforma, ultrapassando-os, bem como todas as arvores que eu tinha visto até então, na belleza da forma e da folhagem, no desenvolvimento immenso da sua ramagem e na magestade geral do seu aspecto. Ao chegarmos alli, Legrand voltou-se para Jupiter perguntando-lhe se era capaz de trepar áquella arvore. Atordoado com a pergunta, o pobre velho ficou alguns instantes sem responder. Comtudo, approximando-se da arvore, começou a andar em torno d'ella, como quem a examinava com minuciosa attenção. Por fim respondeu:

— Sim, Massa: não ha arvore alguma á qual Jupiter não seja capaz de trepar.

— Então, sóbe; vamos, depressa! porque dentro em pouco fará escuro de mais para podermos trabalhar.