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O CORVO[1]
(A GENESE DE UM POEMA)




Uma vez, á hora lugubre da meia-noite, eu meditava, fraco, fatigado, quasi adormecido, sobre muitos volumes interessantes e valiosos de uma doutrina esquecida. De repente, ouvi um ligeiro ruido, como de alguem batendo, ao de leve, á porta do meu quarto. «É alguma visita», murmurei eu, e nada mais.

Estavamos em Dezembro, lembro-me distinctamente. As achas meio queimadas desenhavam no solo o reflexo da sua agonia.

Eu desejava ardentemente a manha! Em vão pedia aos livros o esquecimento das minhas maguas... Pensava sempre n'ella, na minha Leonor perdida, na mulher rara e deslumbrante que os anjos chamam ainda Leonor e que os homens não chamarão mais!

O vago sussurro dos reposteiros ondulantes penetrava-me de um terror phantastico e melancolico. Para acalmar a agitação que me assustava, levantei-me, repetindo: «É alguem que bate á porta, alguma visita tardia, que

  1. O illistre sr. MACHADO DE ASSIS tem uma bellisisima traducção deste poema (V. Poesias Completas, H. Garnier editor). EMILIO de MENEZES traduziu em sonetos vibrantes e masculos.